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O homem sem sorte

  • Foto do escritor: Psicólogo Antonio Andrade
    Psicólogo Antonio Andrade
  • 7 de nov.
  • 7 min de leitura

Atualizado: 20 de nov.

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(Autor desconhecido)


Vivia perto de uma aldeia, um homem. Um homem que era completamente sem sorte. Nada do que ele fazia dava certo. Muitas vezes, ele plantava sementes, e o vento vinha e as levava; outras vezes, era a chuva que vinha tão violenta que as carregava.

Outras vezes, ainda, as sementes permaneciam sob a terra, mas o sol era tão quente que as cozinhava. E ele se queixava com as pessoas, e elas escutavam suas queixas: da primeira vez, com simpatia; depois, com um certo desconforto; e, enfim, quando o viam, mudavam de caminho ou entravam em casa, fechando portas e janelas, evitando-o. Então, além de sem sorte, o homem se tornou chato e muito só e começou a querer achar um culpado para o que acontecia com ele.


Analisando a situação de sua família, percebeu que seu pai era um homem de sorte, sua mãe tinha sorte em ter se casado com seu pai, e seus irmãos eram muito bem-sucedidos. Pois, então, se não era um caso genético, só poderia ser coisa do Criador. E, depois de muito pensar, resolveu tomar uma atitude e ir até o fim do mundo falar com Deus, que, como criador de tudo, deveria ter uma resposta.


Arrumou sua malinha, pôs algum alimento e partiu rumo ao fim do mundo. Andou um dia, um mês, um ano e, um dia, pouco antes de entrar numa grande floresta, ouviu uma voz:— Moço, me ajude.


Ele, então, olhou para os lados procurando alguém, até que se deparou com um lobo magro, quase sem pelos; era pele e osso, o infeliz. Dava para contar suas costelas. Ele falou:

— Há três meses, estou nesta situação. Não sei o que está acontecendo comigo. Não tenho forças para me levantar daqui.


O homem, refeito do susto, respondeu:

— Você está se queixando à toa, eu tive azar a vida inteira. O que são três meses? Mas faça como eu. Procure uma resposta. Eu estou indo procurar o Criador para resolver o meu problema.


— Mas eu não tenho forças nem para ir ao rio beber água. Faça esse favor para mim. Já que você está indo vê-Lo, pergunte o que está acontecendo comigo.


O homem fez um sinal de insatisfação e disse que estava muito preocupado com seu problema, mas, se lembrasse, perguntaria.Virando as costas, continuou seu caminho. Andou um dia, um mês, um ano e, um dia, de repente, ao tropeçar numa raiz, ouviu:

— Moço, cuidado.


E, quando olhou, viu uma folhinha que vinha caindo, caindo. Olhando para cima, viu que a árvore tinha apenas duas folhinhas. Levantou-se e, observando suas raízes desenterradas, seus galhos retorcidos, sua casca soltando-se do tronco, falou:

— Você não se envergonha? Olhe as outras árvores à sua volta e diga se você pode ser chamada de árvore? Conserte sua postura.

A árvore, com uma voz de muita dor, disse:

— Não sei o que está acontecendo comigo. Estou me sentindo tão doente. Há seis meses que minhas folhas estão caindo, e, agora, como pode ver, só restam duas.


E, no fim de uma conversa, pediu ao homem que procurasse uma solução com o Criador. Contrariado, o homem virou as costas com mais uma incumbência. Andou um dia, um mês, um ano e, um dia, chegou a um vale muito florido, com flores de todas as cores e perfumes. Mas o homem não reparou nisso.


Chegou até uma casa, e, na frente da casa, estava uma moça muito bonita que o convidou a entrar. Eles conversaram longamente e, quando o homem deu por si, já era madrugada. Ele se levantou dizendo que não podia perder tempo e, quando já estava saindo, ela lhe pediu um favor:

— Você, que vai procurar o Criador, podia perguntar uma coisa para mim? É que, de vez em quando, sinto um vazio no peito, sem motivo nem explicação. Gostaria de saber o que é e o que posso fazer para resolver isso.


O homem prometeu que perguntaria, virou as costas e andou um dia, um mês, um ano e, um dia, chegou, finalmente, ao fim do mundo. Sentou-se e ficou esperando, até que ouviu uma voz. E uma voz no fim do mundo só podia ser a voz do Criador.

— Tenho muitos nomes. Chamam-me também de Criador.

E o homem contou, então, toda a sua triste vida. Conversou longamente com a voz, até que se levantou e, virando as costas, foi saindo, quando a voz lhe perguntou:

— Você não está se esquecendo de nada? Não ficou de saber respostas para uma árvore, para um lobo e para uma jovem?


— Tem razão…

E voltou-se para ouvir o que tinha de ser dito. Depois de um tempinho, virou-se e correu mais rápido que o vento, até que chegou à casa da jovem. Como ela estava em frente de casa, vendo-o passar, chamou-o:

— Ei!!! Você conseguiu encontrar o Criador? Teve as respostas que queria?


— Sim!!! Claro! O Criador disse que minha sorte está aí, à minha espera no mundo. Basta ficar alerta para perceber a hora de apanhá-la!


— E quanto a mim, você teve a chance de fazer a minha pergunta?


— Ah! O Criador disse que o que você sente é solidão. Assim que encontrar um companheiro, vai ser completamente feliz, e mais feliz ainda vai ser o seu companheiro.


A jovem, então, abriu um sorriso e perguntou ao homem se ele queria ser esse companheiro.


— Claro que não. Já trouxe a sua resposta. Não posso ficar aqui perdendo tempo com você. Não foi para ficar aqui que fiz toda esta jornada. Adeus!!!


E, virando as costas, correu, mais rápido do que a água, até a floresta onde estava a árvore. Ele nem se lembrava dela. Mas, quando novamente tropeçou em sua raiz, viu caindo uma última folhinha. Ela perguntou se ele tinha uma resposta, ao que o homem respondeu:

— Tenho muita pressa e vou ser breve, pois estou indo em busca da minha sorte, e ela está no mundo. O Criador disse que você tem embaixo de suas raízes uma caixa de ferro cheia de moedas de ouro. O ferro dessa caixa está corroendo suas raízes. Se você cavar e tirar esse tesouro daí, vai terminar todo o seu sofrimento e você vai poder virar uma árvore saudável novamente.


— Por favor! Faça isso por mim! Você pode ficar com o tesouro. Ele não serve para mim. Eu só quero de novo minha força e energia.


O homem deu um pulo e falou indignado:

— Você está me achando com cara de quê? Já trouxe a resposta para você. Agora, resolva o seu problema. O Criador falou que minha sorte está no mundo, e eu não posso perder tempo aqui conversando com você, muito menos sujando minhas mãos na terra.


E, virando as costas, correu mais rápido do que a luz, atravessou a floresta e chegou onde estava o lobo, mais magro ainda e mais fraco. O homem se dirigiu a ele apressadamente e disse:

— O Criador mandou lhe falar que você não está doente. O que você tem é fome. Está a morrer de inanição e, como não tem forças mais para sair e caçar, vai morrer aí mesmo. A não ser que passe por aqui uma criatura bastante estúpida e você consiga comê-la.

E, nesse momento, os olhos do lobo se encheram de um brilho estranho, e reunindo o restante de suas forças, o lobo deu um pulo e comeu o homem sem sorte.


Foi assim o fim do homem sem sorte, e será assim o fim de todos os homens que pensam que não precisam colaborar com a vida para se tornarem homens de sorte.


A reflexão: o que essa metáfora quer nos ensinar


Há histórias que parecem simples, mas, quando lidas com o olhar da psicologia, revelam muito sobre como lidamos com a vida e com as próprias responsabilidades. A metáfora do “homem sem sorte” é uma dessas narrativas, fala sobre destino, mas, principalmente, sobre a maneira como escolhemos caminhar dentro dele.


Logo no início, o personagem é apresentado como alguém que se vê como vítima da má sorte. Tudo lhe acontece “apesar de seus esforços”: o vento, a chuva, o sol… Tudo parece estar contra ele. Aos poucos, ele passa a acreditar que sua vida está condenada a dar errado, e isso o faz desistir de tentar de outro modo. Na psicologia, esse padrão se aproxima de algo que chamamos de desamparo aprendido: quando, depois de muitas frustrações, a pessoa começa a acreditar que nada do que faz tem efeito, e então para de agir.


Mas a metáfora mostra algo ainda mais sutil: o quanto essa crença pode nos tornar cegos para as oportunidades que surgem no caminho. Enquanto o homem busca respostas no “fim do mundo”, a vida lhe apresenta três chances de transformação o lobo, a árvore e a moça, todas pedindo algo simples: escuta, empatia e ação. Cada encontro é uma oportunidade para sair de si, enxergar o outro e, ao fazer isso, enxergar-se também. Mas ele não percebe. Está tão preso à própria dor que não se dá conta de que a “sorte” que procura está justamente em participar da vida em se envolver, cuidar, ajudar, agir.


É simbólico que o homem termine devorado pelo lobo. A metáfora sugere que quem vive apenas para si, sem escutar, sem se abrir, acaba sendo engolido pelo próprio egoísmo, pela própria fome de sentido. A “má sorte” do personagem não é um castigo divino, mas o resultado de uma postura mental: a de quem acredita que a vida deve lhe oferecer tudo pronto, sem precisar se envolver com ela.


Na psicoterapia, especialmente quando começamos a olhar para nossos pensamentos e padrões de comportamento, esse tipo de narrativa ganha forma concreta. Quantas vezes acreditamos que o problema está sempre fora no outro, na sorte, no destino, em Deus, e esquecemos de olhar como estamos participando daquilo que chamamos de “azar”? Talvez estejamos repetindo tentativas do mesmo modo, esperando resultados diferentes.Talvez estejamos resistindo às mudanças, com medo de perder o pouco de controle que acreditamos ter.


A sorte, nesse sentido, não é um acaso, mas uma consequência de presença. Ela nasce quando decidimos estar atentos às oportunidades de transformação às vezes disfarçadas de desafios, às vezes na forma de alguém pedindo ajuda, ou mesmo de uma dor que insiste em nos acordar.


Psicoterapia é, em grande parte, esse processo: perceber os padrões invisíveis que nos fazem correr em círculos, compreender o que sustentamos sem perceber, e escolher colaborar com a vida não mais como vítimas do azar, mas como autores da própria caminhada.


Porque, no fim, a sorte que o homem procurava não estava no fim do mundo. Estava em cada gesto que ele poderia ter feito no caminho e não fez.


Quando a vida parece não dar certo…


Se você sente que tem caminhado sem encontrar resultados, que as coisas parecem se repetir, ou que a “sorte” nunca chega até você, talvez seja hora de olhar com mais gentileza para o modo como tem se relacionado com a própria vida. Na psicoterapia, é possível compreender essas repetições, aprender novas formas de reagir e redescobrir o sentido do próprio caminho. Às vezes, a sorte começa no simples gesto de pedir ajuda e se permitir ser ajudado.

 
 
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